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Betim trabalha educação além da sala de aula
Mais que ampliar o tempo escolar e as
atividades curriculares de 10 mil alunos, o Programa Escola da Gente
busca fortalecer a ideia de que todos os espaços da cidade podem, de
algum modo, ser educativos e contribuir para a formação das crianças em
situação de vulnerabilidade social do município
Melhorar a qualidade da educação e intensificar a segurançao a partir da prevenção
Foto: Pedro Silveira
Por meio do Programa Escola da Gente, desde 2009 essa concepção de educação está sendo disseminada pela Prefeitura de Betim em 35 unidades de ensino fundamental e com o envolvimento direto de doze secretarias.
Mais que ampliar o tempo escolar e as atividades curriculares de 10 mil alunos, o projeto busca fortalecer a ideia de que todos os espaços da cidade podem, de algum modo, ser educativos e contribuir para a formação das crianças em situação de vulnerabilidade social do município. Isso porque as escolas que participam do programa estão situadas em regiões com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do município e com altas taxas de criminalidade.
“O Escola da Gente tem dois grandes objetivos: melhorar a qualidade da educação e intensificar a segurança a partir da prevenção. O projeto tem um investimento alto, mas o benefício é maior que deixar o menino à margem da criminalidade. A vida deles será diferente. Eu digo: disputamos nossas crianças com o tráfico todos os dias”, define a prefeita Maria do Carmo Lara.
Escola em tempo integral
Desenvolvido com o apoio do programa Mais Educação – do Ministério da Educação (MEC), que arca com os custos de equipamentos e materiais, além do arcabouço conceitual –, o Escola da Gente mantém o princípio de escola em tempo integral, a exemplo de programas de outros municípios brasileiros, mas tem como maior diferencial a intersetorialidade das ações, antes pontuais, e o atendimento integral dos alunos. “A mesma criança que vai à escola é atendida pela assistência social. Então, ao invés de tratar o ser humano de forma fragmentada, ele é visto de forma integral. Isso potencializa o resultado do atendimento, e o impacto na vida dessa criança é muito maior”, explica Dalvonete dos Santos, coordenadora do Escola da Gente.
Carlos Alberto de Moraes, pedagogo e um dos integrantes da equipe de coordenação, afirma que a concepção do trabalho é uma “volta ao passado”. “Temos de voltar a pensar que somos um grande todo e tentar diminuir a ruptura entre educação, saúde, lazer... O professor, o médico, o assistente social, cada um vê um pedaço da criança. Com o Escola da Gente, temos múltiplos olhares e uma troca de informações sobre o que aquela criança precisa para se desenvolver de forma saudável”, diz Carlos.
O fato de ser custeado por onze secretarias – Educação, Assistência Social, Saúde, Meio Ambiente, Esporte, Cultura, Planejamento, Secretaria de Governo, Secretaria de Comunicação, Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Transbetim – é outro diferencial importante, pois gera maior comprometimento e cria uma nova cultura de atendimento ao cidadão. As secretarias elaboram ainda o Planejamento Estratégico, definindo ações, prazos e responsáveis, buscando o envolvimento, a valorização e atuação de todos da comunidade escolar. “Houve uma mudança de mentalidade muito importante dentro do próprio governo. As secretarias passaram a dialogar no fórum que se reúne mensalmente para planejar e monitorar o projeto. Isso cria muda os paradigmas das políticas públicas”, avalia Dalvonete Cândida.
Transformando alunos e professores
Gestora do projeto na Escola Municipal Maria Helena da Cunha Braz, no bairro Icaivera, uma das regiões mais carentes de Betim, a educadora Cícera Ferreira de Oliveira não hesita em afirmar que o Escola da Gente foi o que “de melhor aconteceu” para a comunidade em termos de educação e proteção das crianças. “Durante oito anos estive na direção da escola e tenho uma paixão pela sala de aula. Mas sempre achei insuficiente o que fazíamos porque conheço a carência do bairro. Aqui os meninos eram desprovidos de lazer, cultura, de apoio familiar, de tudo”, conta.
Foi nas oficinas de música, artes visuais, artes cênicas e circenses, dança, recreação, meio ambiente, esporte e letramento que muitos alunos descobriram um mundo além da sala de aula e das ameaças de criminalidade presentes nas ruas. Segundo Cícera, o projeto também reduziu o índice de violência na escola – hoje a comunidade respeita e valoriza o espaço – e melhorou o comportamento dos alunos considerados indisciplinados.
“Esse aluno geralmente tem habilidades para a dança, o grafite, o esporte. No projeto, é ele quem se destaca, quem é valorizado e reconhecido. Isso melhora muito a autoestima. Quando esse menino volta para a sala de aula, ele pensa duas vezes antes de fazer algo que possa prejudicar esse respeito”, diz Cícera.
Os pais confirmam a tese da educadora. Cleidiane Guimarães Mendes é mãe de Cleiton, de 10 anos, aluno da oficina de música. Além da tranquilidade de poder trabalhar sabendo que o filho está longe das ruas, ela constata que o Escola da Gente contribuiu para sua disciplina. “Eu acho ótimo o projeto não só por ele ficar na escola o dia todo. Ele está mais aplicado, mais interessado. Antes tinha muita dificuldade com a leitura, hoje lê um livro inteiro. Fora que, para mim, é uma alegria ver o Cleiton tocar na flauta a música do Titanic, Asa Branca... Ele fez até apresentação no final do ano”, conta a mãe coruja.
Eliete Oliveira dos Santos, mãe de Igor, de 14 anos, também afirma que o filho “só aprendeu coisa boa” na oficina de informática e diz que, para as mães, saber que os filhos estão em segurança é muito bom. “Todos os inimigos perderam o contato porque os meninos não estão mais na rua. Aqui não tem ambiente bom... Tem mãe que corre atrás e busca coisas boas para os filhos, mas muitas não podem fazer isso. O Igor foi fazer uma entrevista de emprego e a menina me perguntou se ele tinha estudado em escola particular, porque é muito desenvolvido para falar”, relata. Mas Eliete quer mais: “Se tivesse agora um programa de oficinas focado na área de trabalho, de jovem aprendiz, seria muito bom também”.
Para os professores que lidam diretamente com as crianças, o Escola da Gente é, ainda, um desafio profissional diferente. Carolina Rocha Silva, formada em Educação Física e monitora da oficina de taekwondo, diz que vê no projeto uma oportunidade de mudar o futuro das crianças e da comunidade. “Não estou aqui para formar atletas, mas para mostrar às crianças que existe o caminho do esporte, que exige disciplina, perseverança, companheirismo. Quero abrir uma porta, quem sabe não aparece um atleta? Para mim, é uma realização poder fazer isso”, afirma.
Tamires Cunha é monitora de música e trabalha com as crianças acuidade sonora, percepção musical e psicomotricidade. Para ela, o projeto dá às crianças uma oportunidade única. “O ambiente de socialização é a escola. Não temos cinema, centros culturais nem teatro. Não tenho a pretensão de formar músicos, mas professores mais sensíveis, um médico mais cuidadoso, engenheiros mais atentos”, diz.
As crianças não deixam de perceber a oportunidade de que falam as monitoras. Milene Caroliny Soares Nogueira tem 11 anos e diz que o Escola da Gente é a chance que tem de aprender coisas diferentes. “Antes de entrar para o projeto eu ficava vendo TV. Hoje faço oficinas de dança, teatro e letramento. Isso tem me ajudado, porque eu não prestava muita atenção na aula, era um pouco desleixada. Hoje estou mais concentrada”, conta a aluna da Escola Municipal José Salustiano Lara, no bairro Bandeirinhas.
O tímido Arthur Oliveira de Lima, de 11 anos, que também passava suas manhãs na frente da televisão, acredita que o projeto é bom porque “tira as pessoas da rua”. Quando é para falar de si mesmo, põe em prática o que aprendeu nas oficinas de teatro e se estende. “As aulas me ajudaram a me expressar melhor. E não foi só eu que se beneficiou: muitos alunos da minha sala que estavam quase tomando bomba melhoraram depois que entraram para o Escola da Gente. Além disso, acho legal porque fiz amigos que não eram da minha turma”, conta, empolgado com o fato de ter expandido seu horizonte.
Desafios de uma cidade educadora
Apesar do ótimo resultado alcançado em apenas três anos – uma pesquisa com os pais e a comunidade escolar aponta mais de 90% de aprovação –, o Escola da Gente tem grandes desafios pela frente. O primeiro deles é romper a resistência que ainda existe em algumas escolas, como aponta a prefeita Maria do Carmo Lara. “A tendência natural diante de algo novo é se fechar. Mas temos de conquistar mais pessoas, por isso nenhuma escola é obrigada a participar. Professores, pais e alunos têm de querer receber o projeto e são eles que escolhem o gestor. Não queremos nada paralelo à rede formal, o Escola da Gente precisa estar entrosado com o projeto pedagógico da escola. Mas admito que é uma ousadia fazer as pessoas problematizarem e refletirem sobre o próprio trabalho. Educa a própria escola”, analisa.
Outro obstáculo a ser vencido é a falta de espaços públicos para receber atividades tão diversas. A solução em Betim tem sido ocupar os salões das igrejas, fazer parcerias com clubes e alugar sítios para receber os alunos. Se por um lado a carência de equipamentos é um aspecto negativo, por outro tem se mostrado extremamente positiva. No Orçamento Participativo, várias comunidades têm votado em praças e parques. A própria lógica de empreendimentos da prefeitura foi impactada pelo Escola da Gente.
“Hoje, quando vamos fazer um projeto, é obrigatório pensar em como ele vai qualificar o programa. Todas as obras têm de ter este foco: o que essa praça ou esse ginásio pode ter a mais para atender as crianças do Escola da Gente?”, conta Maria do Carmo, que comemora ainda o fato de inaugurar neste ano quatro parques ecológicos projetados para fortalecer o conceito de cidade educadora.
Veja aqui: Transversalidade no Escola da Gente
Andréa Castello Branco é jornalista
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